terça-feira, 19 de agosto de 2008

O Polémico Percurso de uma Expressão Artística

Iº Momento
(Introspectivas da polémica Kudurista e a criação de novos factos culturais)



A polémica é, segundo alguns teóricos, académicos e filósofos, a forma mais eficaz para se abordar e até mesmo trazer à cena discursiva todo e qualquer que seja o fenómeno, sobretudo quando este último está intrinsecamente associado ao desenvolvimento sociocultural de uma nação, dizendo respeito sobretudo às entidades, ao movimento (entenda-se quadro ideológico) e aos factores a ele inerentes, e que muita das vezes não justificam por meras palavras, nem mesmo por intermédio de exercícios demagógicos e⁄ou especulativos o grande movimento que é a expressão artística de compor e de fazer respigar para uma tela fonética ou mesmo textual extractos do que anda para além do sonho comum, de uma linguagem puramente coloquial catalogada aqui e acolá, e muito menos das estruturas que o projectam como um produto artisticamente belo.

Elegemos, para este primeiro debate, a palavra “polémica” de modo propositado por reconhecermos nela uma estrita ligação com o género musical Kuduro, e por ser também em nosso atender uma marca que o define como tal, diferenciando-o de outros ritmos, muito embora também tivéssemos constato isso em relação ao hip hop aquando da sua afirmação em Angola. Logo, a polémica já não é tão nova assim no nosso ciclo de análise, aliás como em tudo. Assim como em circunstâncias outras, o Kuduro também é sim um manual para melhor compreendermos e suscitarmos vários debates sobre os problemas que dizem respeito à sociedade angolana, que em abono da verdade, diga-se, em nada ficará a dever a outras por possuir todos os instrumentos que movem e traduzem, sob o signo da expressão linguístico-artística, as estruturas basilares de um amanhã que a passos locomotivos vem se afastando cada vez mais de nossos olhos, fosse a linha do horizonte que se não consegue alcançar por desmérito natural. Assim também é a imagem perspectivada que se atribui ao Kuduro por ser um género, a nosso ver, imprevisível e estranhamente espontâneo. Kuduro é o produto da espontaneidade rítmica que vem movendo um número de jovens que elegem a dance music como um parceiro ideal.

O facto de a cultura não ser uma plataforma estática e estar intimamente ligada à necessidade de exposição de um sem número de fenómenos mais ou menos identificados como um apanágio cuja dimensão se desconhece pelo seu profundo alcance, leva a que se atribua às vezes a determinadas tendências artísticas terminologias ou mesmo rótulos que genericamente vão fazendo morada nos vários debates mantidos volta e meia, tudo com o único objectivo de se institucionalizar a ideia de que este último esteja amplamente ligado à triste obsessão de mediocridade de que se vem falando e que tem funcionado como a única forma de descrevermos o panorama da dance music, como se esse fosse o único caminho de que tenha encontrado o kuduro.

O surgimento ou a criação de novos factos culturais, político-sociais é um fenómeno que decorre fundamentalmente de circunstâncias muito próprias, de ideologias, às vezes, controversas e divergentes, no sentido de que a aparição desses novos factos poderem suscitar uma extraordinária inquietação junto de um circuito mais ou menos padronizado em termos de critérios de absorção de valores artístico-culturais (e por que não morais…), julgados inquestionáveis e inerentes a um suposto pragmatismo, cujo papel entre nós, tomando em atenção um período particular da nossa história recente, fora salvaguardar as linhas através das quais perpassavam as inquietudes que envolviam todo um processo artístico que estava ao serviço de um sentido político-patriótico vigente em Angola desde a sua independência em 1975.

Encarando a questão como a encaramos com algum optimismo é normal que tenham depois da inversão do quadro político surgido posicionamentos deterministas que de uma forma ou de outra foram colocando muralhas como se perante a uma época que estivesse totalmente definida em termos de ocorrências de fenómenos culturais, sendo que nenhum outro pudesse ter lugar, como se víssemos no tempo um fenómeno inteiramente estático. Por este facto, convém se calhar reforçar a ideia de que a criação de novos factos culturais enquadra-se perfeitamente numa visão globalizante e introspectiva (mais democrática, se quisermos), atendendo a múltiplos aspectos circunstanciais, uma vez que a criação e a própria evolução das sociedades é muita das vezes determinada pelo posicionamento que cada um dá a este ou aquele factor de desenvolvimento que diz respeito a uma tendência evolutiva natural que deve ser considerada e respeitada de modo a darmos respaldo a um todo a que podemos também chamar identidade cultural.

Com efeito, a quase perfeita imposição de que se atribui ao surgimento de novos factos culturais vai reflectindo a ideia de diferença própria das sociedades humanas, até como um factor impulsionador e por conseguinte de desenvolvimento, sem que tenhamos de ir estabelecendo comparações com elementos já existentes que devem a princípio – pela lógica dos factos e mesmo atendendo às características que a sociedade vai adoptando com o evoluir dos tempos – acompanhar a dinâmica que se vai impondo a estes novos ventos das sociedades globalizantes e globalizadas, sob pena de sermos engolidos por não reconhecermos os nossos verdadeiros papéis como agentes de factos que respondem à pergunta se ainda assim o mundo não é uma arena cujo engenho artístico vai abrindo novos ângulos de abordagem para irmos descrevendo o cenário quase cinematográfico de que se tornaram os géneros musicais e particularmente o Kuduro, numa dura batalha que tem vindo a travar com as “classes” que o julgam sem que se vistam de um ousado posicionamento de reconhecimento como um pilar promissor que se ergue para um modelo de inclusão e de desenvolvimento sociocultural.

Será exactamente assim de maneira brutal que ainda hoje nos convém falar e descrever o Kuduro, mesmo depois de mais de uma dezena e meia de vida activa, ante os olhos impávidos e caluniantes de quem não o reconhece como uma manifestação com uma linguagem muito própria, estritamente associada à sua origem, que resulta de uma adaptação a uma das subvertentes da Dance Music a que se deu o nome de Tribal House? Género este que consistia na inclusão de sons tipo tribais oriundos de regiões da África Central e Austral, estilo esse desenvolvido nos Estados Unidos de América e mais tarde em alguns países da Europa. (Já lá vamos).

Estamos, entretanto, cientes de que não é de todo fácil uma feliz convivência com um género que se vai equilibrando mesmo a despeito dos que o atormentam e que acham nele um carácter efémero, efemeridade esta que o tempo prefere adiar quando com outros fenómenos extinguiu simplesmente. É importante, entretanto, em nosso entender, olharmos com algum “quê” de interrogação para as várias abordagens que vêm surgindo no sentido da descriminação e da construção de opiniões tendentes a darmos, de modo conclusivo, um rótulo de mediocridade a este ritmo, que apesar de a sua história estar muito ligada à House Music (e mais recentemente a uma tendência rítmica que se vem aproximando a passos galopantes do semba e da Kazukuta) apresentar uma vitalidade que poderá surpreender toda uma nação e quiçá mesmo quem o produz, uma vez que o sucesso vem ganhando espaço a nível internacional.

Morro Bento – Luanda
Jornal de Angola, Suplemento Vida Cultural, de 17 Agosto de 2008.


Nok Nogueira
Escritor e jornalista

Um comentário:

Hamilton Bonga disse...

congela-me, por saber que os estilos rudimentares nacionais estejam a cortar os espaços internacionais ... o certo é que os artistas, desde os mais celebres, estão sedentos do reconhecimento glocal, e por vezes esquecem-se que o que fazem, torna-se-a relembrado a todo nível.

HBonga.