terça-feira, 19 de agosto de 2008

O Polémico Percurso de uma Expressão Artística

Iº Momento
(Introspectivas da polémica Kudurista e a criação de novos factos culturais)



A polémica é, segundo alguns teóricos, académicos e filósofos, a forma mais eficaz para se abordar e até mesmo trazer à cena discursiva todo e qualquer que seja o fenómeno, sobretudo quando este último está intrinsecamente associado ao desenvolvimento sociocultural de uma nação, dizendo respeito sobretudo às entidades, ao movimento (entenda-se quadro ideológico) e aos factores a ele inerentes, e que muita das vezes não justificam por meras palavras, nem mesmo por intermédio de exercícios demagógicos e⁄ou especulativos o grande movimento que é a expressão artística de compor e de fazer respigar para uma tela fonética ou mesmo textual extractos do que anda para além do sonho comum, de uma linguagem puramente coloquial catalogada aqui e acolá, e muito menos das estruturas que o projectam como um produto artisticamente belo.

Elegemos, para este primeiro debate, a palavra “polémica” de modo propositado por reconhecermos nela uma estrita ligação com o género musical Kuduro, e por ser também em nosso atender uma marca que o define como tal, diferenciando-o de outros ritmos, muito embora também tivéssemos constato isso em relação ao hip hop aquando da sua afirmação em Angola. Logo, a polémica já não é tão nova assim no nosso ciclo de análise, aliás como em tudo. Assim como em circunstâncias outras, o Kuduro também é sim um manual para melhor compreendermos e suscitarmos vários debates sobre os problemas que dizem respeito à sociedade angolana, que em abono da verdade, diga-se, em nada ficará a dever a outras por possuir todos os instrumentos que movem e traduzem, sob o signo da expressão linguístico-artística, as estruturas basilares de um amanhã que a passos locomotivos vem se afastando cada vez mais de nossos olhos, fosse a linha do horizonte que se não consegue alcançar por desmérito natural. Assim também é a imagem perspectivada que se atribui ao Kuduro por ser um género, a nosso ver, imprevisível e estranhamente espontâneo. Kuduro é o produto da espontaneidade rítmica que vem movendo um número de jovens que elegem a dance music como um parceiro ideal.

O facto de a cultura não ser uma plataforma estática e estar intimamente ligada à necessidade de exposição de um sem número de fenómenos mais ou menos identificados como um apanágio cuja dimensão se desconhece pelo seu profundo alcance, leva a que se atribua às vezes a determinadas tendências artísticas terminologias ou mesmo rótulos que genericamente vão fazendo morada nos vários debates mantidos volta e meia, tudo com o único objectivo de se institucionalizar a ideia de que este último esteja amplamente ligado à triste obsessão de mediocridade de que se vem falando e que tem funcionado como a única forma de descrevermos o panorama da dance music, como se esse fosse o único caminho de que tenha encontrado o kuduro.

O surgimento ou a criação de novos factos culturais, político-sociais é um fenómeno que decorre fundamentalmente de circunstâncias muito próprias, de ideologias, às vezes, controversas e divergentes, no sentido de que a aparição desses novos factos poderem suscitar uma extraordinária inquietação junto de um circuito mais ou menos padronizado em termos de critérios de absorção de valores artístico-culturais (e por que não morais…), julgados inquestionáveis e inerentes a um suposto pragmatismo, cujo papel entre nós, tomando em atenção um período particular da nossa história recente, fora salvaguardar as linhas através das quais perpassavam as inquietudes que envolviam todo um processo artístico que estava ao serviço de um sentido político-patriótico vigente em Angola desde a sua independência em 1975.

Encarando a questão como a encaramos com algum optimismo é normal que tenham depois da inversão do quadro político surgido posicionamentos deterministas que de uma forma ou de outra foram colocando muralhas como se perante a uma época que estivesse totalmente definida em termos de ocorrências de fenómenos culturais, sendo que nenhum outro pudesse ter lugar, como se víssemos no tempo um fenómeno inteiramente estático. Por este facto, convém se calhar reforçar a ideia de que a criação de novos factos culturais enquadra-se perfeitamente numa visão globalizante e introspectiva (mais democrática, se quisermos), atendendo a múltiplos aspectos circunstanciais, uma vez que a criação e a própria evolução das sociedades é muita das vezes determinada pelo posicionamento que cada um dá a este ou aquele factor de desenvolvimento que diz respeito a uma tendência evolutiva natural que deve ser considerada e respeitada de modo a darmos respaldo a um todo a que podemos também chamar identidade cultural.

Com efeito, a quase perfeita imposição de que se atribui ao surgimento de novos factos culturais vai reflectindo a ideia de diferença própria das sociedades humanas, até como um factor impulsionador e por conseguinte de desenvolvimento, sem que tenhamos de ir estabelecendo comparações com elementos já existentes que devem a princípio – pela lógica dos factos e mesmo atendendo às características que a sociedade vai adoptando com o evoluir dos tempos – acompanhar a dinâmica que se vai impondo a estes novos ventos das sociedades globalizantes e globalizadas, sob pena de sermos engolidos por não reconhecermos os nossos verdadeiros papéis como agentes de factos que respondem à pergunta se ainda assim o mundo não é uma arena cujo engenho artístico vai abrindo novos ângulos de abordagem para irmos descrevendo o cenário quase cinematográfico de que se tornaram os géneros musicais e particularmente o Kuduro, numa dura batalha que tem vindo a travar com as “classes” que o julgam sem que se vistam de um ousado posicionamento de reconhecimento como um pilar promissor que se ergue para um modelo de inclusão e de desenvolvimento sociocultural.

Será exactamente assim de maneira brutal que ainda hoje nos convém falar e descrever o Kuduro, mesmo depois de mais de uma dezena e meia de vida activa, ante os olhos impávidos e caluniantes de quem não o reconhece como uma manifestação com uma linguagem muito própria, estritamente associada à sua origem, que resulta de uma adaptação a uma das subvertentes da Dance Music a que se deu o nome de Tribal House? Género este que consistia na inclusão de sons tipo tribais oriundos de regiões da África Central e Austral, estilo esse desenvolvido nos Estados Unidos de América e mais tarde em alguns países da Europa. (Já lá vamos).

Estamos, entretanto, cientes de que não é de todo fácil uma feliz convivência com um género que se vai equilibrando mesmo a despeito dos que o atormentam e que acham nele um carácter efémero, efemeridade esta que o tempo prefere adiar quando com outros fenómenos extinguiu simplesmente. É importante, entretanto, em nosso entender, olharmos com algum “quê” de interrogação para as várias abordagens que vêm surgindo no sentido da descriminação e da construção de opiniões tendentes a darmos, de modo conclusivo, um rótulo de mediocridade a este ritmo, que apesar de a sua história estar muito ligada à House Music (e mais recentemente a uma tendência rítmica que se vem aproximando a passos galopantes do semba e da Kazukuta) apresentar uma vitalidade que poderá surpreender toda uma nação e quiçá mesmo quem o produz, uma vez que o sucesso vem ganhando espaço a nível internacional.

Morro Bento – Luanda
Jornal de Angola, Suplemento Vida Cultural, de 17 Agosto de 2008.


Nok Nogueira
Escritor e jornalista
IIº Momento
(Interiorização do Conceito Kudurismo na Arena Artística Angolana)



O fim da década de oitenta teve como grande ponto de realce em Angola a “linha de equilíbrio”, caracterizada pelo fim de um fenómeno político que tinha como desígnio manter as balizas de um sistema ideológico marxista-leninista que aos poucos se fora rendendo à dinâmica de uma importante época na nossa história recente. Logo no início dos anos noventa, assistimos a uma cedência de espaço àquilo a que chamamos de discurso livre, cujas linhas eram mais independentistas, ou pouco influenciáveis pelas tendências impostas pelo então sistema, devido ao facto de estarmos mais abertos aos meandros da descrição temporal e da ousadia criativa, fugindo ao modelo que tinha sido adoptado como forma de desenvolvimento político-social e cultural dos povos pelos países que haviam aderido ao Bloco Socialista. Por conseguinte, após a queda do mesmo, abriram-se várias frentes que se foram depois consolidando à medida que se julgavam inseridas no campo artístico. Numa altura em que pela América e por alguns países da Europa já se podia sentir os efeitos de um movimento ideológico que ia impondo formas outras de executar a produção musical ligada sobretudo às pistas de dança – a Dance Music.

E nesta frente, dá-se destaque à House Music, inicialmente conhecida como warehouse music, mas que com o andar do tempo apareceu simplesmente designada por house music. Estilo que foi primeiramente explorado por Dj´s nos Estados Unidos da América, mais propriamente em Chicago, Nova Iorque, Michingan; e pela Europa, Reino Unido, Berlim, Holanda e Bélgica. A House Music era então definida como “um género musical de batida seca, 4/4, com "viradas" de muitas batidas, vocais femininos, melodia alegre e com velocidade próximas a 120 a 135 BPM (Batidas por Minuto)”. Deste importante género musical nasceram outras subvertentes ou subgéneros, que passamos a seguir a defini-los e a dar-lhes um enquadramento histórico:

Acid house: Estilo mais radical de house, género musical produzido em estúdio. O acid surgiu de uma brincadeira de um Dj de Chicago chamado Pierre, com o sintetizador analógico Roland TB-303 (da Roland Corporation em 1982 e 1983 que desempenhou um papel crucial no desenvolvimento da música electrónica contemporânea.), máquina esta que veio a debitar o som acid que saiu em bastantes discos. A sustentação rítmica do acid era feita por contrabaixos electrónicos e baterias programadas. Esses instrumentos são misturados com o auxílio de computadores a sons distorcidos de guitarras dos anos 60, orgasmos femininos repetidos e sequenciados, metralhadoras, explosões e diálogos de filmes. Assim como o house, o acid house é feito para tocar em pistas de dança, nas quais não podem faltar canhões de laser, luzes estroboscópicas, máquinas de gelo e fumaça.
Acid break: Resultou da fusão do Acid House com suas sustentações rítmicas feitas por contrabaixos electrónicos, sons distorcidos de guitarras dos anos 60 e baterias programadas, normalmente criado com o TB 303 da Roland, com as batidas quebradas do Breakbeat.
Soulful House: O estilo de House com forte influência da Soul Music americana. Herdeiro do Garage House tem nos DJs de New York seus maiores representantes.
Deep House: Estilo mais introspectivo de House até ao momento. Como o nome indica, baseia-se em sons profundos e calmos, sobre a batida 4/4 característica do House. É representado por diversas escolas com referências diferentes, do mais orgânico ( West Coast) ao sintético ( Berlin, Londres).
Electro House: Estilo de House com timbres sujos, sintéticos e sombrios e com linhas de baixo ácidas, característica emprestada do electro da década de 80. sneaky sound system retrata bem a electro house.
Progressive House: Estilo de House que surgiu no inicio dos anos 90. Consiste numa batida 4 por 4 com um bass mais profundo, com uma atmosfera mais melancólica e emocional onde as mudanças na música ocorrem pouco a pouco (A música vai crescendo durante a sua duração e ganhando mais energia, mais força, daí o nome progressivo).
E finalmente:
Tribal House: Que consistia no uso de sons considerados tribais nomeadamente na área da percussão, que é exaustivamente trabalhada. Pensa-se que o tribal surgiu de uma ligação entre a música africana e a electrónica. Pode-se dizer que o Tribal é o casamento da House Music com ritmos africanos, gerando uma mistura de sons alucinantes. O Tribal ou House Tribal tem batidas pesadas e fortes, porém menos repetitivas. (o que certamente o diferira do Kuduro).
Com efeito, não é correcto afirmarmos que o Kuduro seja uma música essencialmente voltada para as raízes angolanas (ou seja que tenha surgido da fusão do Semba e o Zouk, como temos apreciado por aí), tudo porque antes do Kuduro propriamente dito termos passado por essas subvertentes da música house com a forte influência da produção electrónica, o que não quer dizer que o Kuduro hoje tenha deixado de o ser. Continua a ser sim uma música electrónica mas mais introspectiva, uma característica que certamente o diferirá de todas as outras subvertentes da música house, mesmo até em relação àquelas que tenham surgido a nível de outros países africanos. Logo, e tratando-se de uma das vertentes da house é mais provável que o Kuduro seja a perfeita miscigenação rítmica de que se pretendia dar à música house quando se lhe adicionaram elementos tipicamente africanos.

Mas em nosso entender achamos que esta relação não é nada casual, uma vez que em outros quadrantes podermos constatar estilos musicais que apareceram primeiramente como uma forte tendência electrónica mas que depois de inseridas num determinado contexto foram se ajustando a ele, pelo que se nota aqui as verdadeiras raízes que foram adicionadas à música electrónica oriundas de África, (na fase Tribal House) o que nos leva, uma vez mais, a concluir que num contexto europeu tenha ocorrido precisamente o mesmo.

O princípio dos anos noventa foi, digamos assim, o período da explosão do mercado musical angolano, quiçá mesmo mundial, pelo que se assistiu à introdução de uma série de elementos novos à música e até a consolidação de outros géneros que não tinham conhecido ainda aquele momento único que se pudessem afirmar como sendo géneros completamente inseridos na cultura musical nacional. Dos géneros musicais que ganharam o espaço nessa altura destaca-se também o Hip Hop, que acabou por manter uma relação estreita com o Kuduro, e que até hoje persiste, basta olharmos para a pauta melódica do Kuduro que é feito hoje.

Um outro papel que se não deve ignorar, quando falamos do Kuduro, é o papel desempenhado pelos Dj´s, a quem se poderia eventualmente atribuir o maior protagonismo como pioneiros deste género de música, bem como àqueles que deram forma e identidade às danças que foram surgindo, acompanhando as observações rítmicas que iam dando corpo às músicas. E mesmo hoje, apesar de assistirmos já a uma maior afirmação dos intérpretes, que volta e meia nos vão trazendo cada vez mais um estilo introspectivo e interactivo, são ainda os Dj´s que vão marcando diferença com algumas produções que tornam o Kuduro num estilo musical mais contextualizado, deixando aquela influência excessivamente electrónica, apesar de a sua produção estar ainda muito patenteada nessa perspectiva por mais paradoxal que pareça por motivos de ordem tecnológica.

Historicamente, o fenómeno Kuduro, já com características mais vincadas para aquilo a que hoje consideramos como marcas puramente angolanas, nasce primeiro como Açúcar enquanto género musical, apesar de um pouco antes ter surgido uma outra dança que não tenha se calhar ocupado o lugar que o Kuduro ocupou que foi a Lambula. Para além, é claro, de ser um fenómeno que se confunde permanentemente com os estilos de dança que foram surgindo no início dos anos noventa. Aqui não nos podemos esquecer que todo estilo de construção instrumental electrónica nessa altura era tido como simplesmente Batida ou estilo Underground.

Entretanto, essas batidas que inicialmente foram da autoria de Dj´s como Bruno de Castro, Beto Max, Grupo Necax Brothers, Lucky Gomes, entre outros. Batidas essas que tiveram como principais promotores Cláudio Silva e Ruca Fançony no programa Top Laser da LAC – Luanda Antena Comercial, no Grupo Desportivo da Banca, bem como em diversas raves que iam acontecendo pela cidade de Luanda, sem fazer menção naturalmente àqueles nomes cuja memória agora nos atraiçoa.

No princípio era fácil denotar uma construção rítmica mais pautada, sendo que a inclusão de um batuque e outros acordes marcou o começo disso a que chamamos Kuduro, que mais tarde foi ganhando uma tendência mais electrónica, mas com enquadramentos rítmicos muito voltados para àquilo a que ouvimos hoje. Assim nas entrelinhas, denotávamos um Kuduro com as letras sempre curtas e repetitivas, do tipo desabafo, embora muito mais tarde tenha adoptado uma linha mais pessoal em resposta à ascensão de este ou aquele nome que hoje enquadram-se perfeitamente naquilo a que consideramos beefs. Neste sentido, vamos convir que o género kuduro dialoga consigo mesmo. Com letras, às vezes, confusas, com um carácter às vezes despropositado…tornando um género espontâneo e cada vez mais espontâneo. Esta espontaneidade, entretanto, a que nos referimos com algum agrado traduz em palavras o que de facto foi acontecendo à margem dos exercícios demagógicos, paisagísticos e até mesmo académicos em relação ao Kuduro, segundo os quais o Kuduro não tinha nada a ver com uma manifestação artística. Assim, e em jeito de conclusão, podemos aferir que o Kuduro é a perfeita adaptação do house music a um contexto africanizado ou angolanizado, uma música que deve todo o mérito à criatividade de nomes que nunca deixaram de olhar para o amanhã como se fossem encontrar o horizonte mais perto delas.

Importa, se calhar, realçar o facto de termos até agora assistido a três distintos momentos do Kuduro, do período portanto que vai do Açúcar (estilo de dança), isso em 1993 ao momento actual. Assim temos:

1º Período
Explosão: O Kuduro era essencialmente marcado por uma vertente ainda influenciada pelas batidas tecno, com uma cadência mais voltada para o tecno propriamente dito. Este período vai de 1993 a 1995, e é o mais curto dos períodos. Nasce igualmente com o programa que era promovido na LAC por Cláudio Silva e Ruca Fançony, o Top Laser. Realce também para as várias raves que eram realizadas no Grupo Desportivo da Banca. Nomes que se destacaram nesta etapa: Bruno de Castro, Lucky Gomes, BMAX, Tony Amado, Necax Brothers, Sebem, (Showcarangue, Palucho, Bebé Chorão, Bebé Diabo – dançarinos).

2º Período
Afirmação: O segundo período, que vai mais ou menos de 1995 a 2003, é o mais longo da história do Kuduro, já como uma vertente mais voltada para uma criação instrumental cada vez mais com menos influências do tecno, ou da house music tribal. Neste período é cada vez mais evidente um desdobramento tanto dos intérpretes quanto dos Dj´s. Este segundo período é, chamemos assim, a fase de ouro da história do Kuduro, uma vez que é precisamente nessa fase que o Kuduro (dança) dá nome e identidade àquilo que se produzia como música, com o surgimento em alta de Tony Amado, como cabeça de proa do género. Nomes que se destacam: Tony Amado, Sebem, Necax Brothers, Bruno de Castro, Viriato Víctor, Tortulhos, MGM Zangado, Rei Webba, Ângelo Boss, Queima Bilhas, Camilo Travassos, Virgílio Fire, Smal do Arraso, Helder Jr., Rei Tanice, Os Actuais, Znobia, Dj Manya, Salsicha e Vaca Louca, Os Radicais, Dj Nike, Dj Billabong, Dj. Malvado, Camilo Macunge, entre outros.

3º Período
Crise e Viragem: O terceiro período é o mais polémico da história do Kuduro e vai mais ou menos de 2003 aos tempos actuais. Designamos Crise e Viragem por ter vivido exactamente um momento de crise e ter resistido a ele, e por conseguinte ter imposto uma nova dinâmica ao género musical, pelo que consideramos ter havido uma viragem muito bem conseguida. Figuras que se destacam: Sebem, Tony Amado, Kome Todas, Smal do Arraso, Pai Diesel, Máquina do Inferno, Nacobeta e Puto Português, Fofandó e Puto Saborosa, Puto Prata e Noite e Dia, Bobany King, Nayo Crazy, Magnésio e os Caixa Baixa, Shaquira e Paranóico, Puto Lilas, Bila Bila, Znobia, (é também neste período em que voltamos a assistir a uma explosão dos Dj´s), Dog Murras, Os Lambas, Bruno M, Os Kalunga Mata, Os Turbantes, Turma Tommy, Mandiloy, Dj Walter Laton, Dj Kilamu, Dj Texas, Havaianas, Puto Bayó, Própria Alicha, Puto Agressivo e Kamba Toy, Dj Mankilla, Dj Alex, Dj Olavo, Bobo G, Os Vagabanda, Agre G, Os PPs, Agres, Dj. Bula, Dj Francisco Paulo, Zoca Zoca, etc…!

Morro Bento – Luanda,
Publicado no Jornal de Angola, Suplemento Vida Cultural, de 17 de Agosto de 2008

Nok Nogueira
Escritor e jornalista

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O rio


Quem ouve o silêncio de um mundo vazio ouve enfim a voz do vento. Lamentável fora a vida antes dela se tornar como tal, pois nunca a tivera visto como sendo um instante primeiro de que me devia ainda orgulhar. O que existe entre mim e o nada das coisas é exactamente este silêncio de que me detenho submisso desde que aqui me revejo como homem, como instante de vida humana. Antes de mim existira entre os homens um contíguo de pétalas róseas ao qual nunca se fizera comparação alguma. Hoje, o que restou de um milésimo de vida são apenas reflexos dos tempos que se não apagam, pois eles estarão sempre presentes, como as flores que hoje cravo nos lábios das mulheres que vejo passar em meus sonhos. Não vejo quantos ventos ainda hei-de de colher, vejo apenas a imagem de um rio que breve se me apresenta, fosse uma manifesta declaração de amor que a qualquer instante há-de chegar aos meus ouvidos.
Nok Nogueira
Rio, in. Pensamentos

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

A Poesia pelo poeta

No átrio dos Vales e das Avenidas…



Nas ruas por onde ando, a voz é um silêncio, um sorriso fúnebre e agreste. Quente, o vale cobre a tempestade que suscitara a génese das palavras com que acolhemos a mágoa nos dias em que nós mesmos não fomos capazes de cuidar de nossas feridas, acolher nossas frustrações, meditar sobre marcas de vidas passadas e deixarmos de depositar a culpa sobre a costura dos lençóis.
E a tempestade é uma mão cheia de misérias e fortunas. Uma ideia paradoxal que nos assalta a quietude do pensamento. A quem dará a luz sua aparência primeira? – Interroga-se a mulher, sem receio que alguém a jogasse a primeira pedra. Ao dia ou à noite? Quem desta água beberá sem que se saiba já ter morrido? Quantas vezes me vi provando do cálice e argumentando a triste ideia de desamparo. Entretanto, é do cálice que renasce a voz e é da palavra que se ergue o grito que guarda o silêncio.
Há muito que a condenação se perdera por entre as falas, pois o amanhã não fora a tempo de evitar o suicídio das horas em que triste esperamos que o dia amanhecesse e nos buscassem por entre as rosas de algum quintal. Hoje, a voz é exactamente um silêncio morto, vazio, inútil, que facilmente se pode reter sobre as mãos.
Esta noite, um homem chamará para junto de si o vento, para que sua fala seja uma renovada voz que transcenda as avenidas, vales e montes; o medo e o tédio, a carícia e a angústia. Do detalhe ficarão as sílabas nocturnas, ou se quisermos, os sinais de sílabas antigas, tão antigas que elas mesmas desafiarão as rugas que nos causam o tempo.
E lá diz a mulher: «Descanse sua agonia por entre as cordilheiras do esquecimento que hoje mesmo enterrei o tempo». E mostra as suas mãos cheias de barro para o homem. E prossegue: «enterrei o tempo porque até este se deixara envelhecer, e tudo que resta não é senão um postal com escritas que mal conseguem descrever os dias».
Diz-me por que escreves como se apagasses as palavras que reflectem o passado? Como se nada mais existisse que não fosse um detalhe de vida estranhamente entregue à fraqueza dos homens?
«Nada mais é frágil» – responde a mulher. Dê-me antes a palma da tua, deixe-a repousada sobre a minha e escute o silêncio de tão velho que está. Vem, pouse-a sobre as feridas de minha triste vida e sinta o que fizera comigo o amor. Feriu-me com feridas dóceis, amargurou-me o coração, mas não me deixara esquecida como está o tempo. O tempo está esquecido e velho. Inútil como os trapos. Apenas, só, os trapos o definirão. Mas vem, pouse-a sobre o mais frágil testemunhar que tenho da vida – a dúvida.
Em segredo diríamos nossas confissões, acharíamos o ângulo da vida para o qual pudéssemos outorgar à voz uma insígnia, para facilmente descobrirmos por que cantam os pássaros logo pelas manhãs. Há para além de um misto de ternura uma voz que chora no átrio das avenidas, ali aonde alguém não quisera olhar para o testemunho das mãos. As mãos também falam da febre que nos assalta a razão. As bocas famintas e sujas de petições, não tão sujas como nossas acções, escrevem dias para que alguém as possa ouvir em públicas assembleias.
E diz o homem à mulher:
«Não será por motivações políticas que crescerão as rosas».
E a mulher:
«Mas será por razões políticas que o tempo se deixará ficar ainda mais velho e torpe do que já está. Ou não vês que os dias embriagam as tempestades, que as manhãs nascem engalanando o desfile das palavras, para que breve seja o poema quando juntos descermos até à terra para que o pó apague de uma vez por todas as marcas que ferem os olhos e a luz?»
«A terra está cheia de enganos. Ou enganam-se os homens mutuamente?»
«Não, talvez estejamos nós mesmos enganados de nós» – a mulher.
E faz-se um longo silêncio, ainda mais velho que o tempo, constata o homem. A voz do vento interrompe, mas ainda assim tudo que se ouve é puramente silêncio. A mulher passa as mãos sobre o seu ventre e diz para o homem: «estou grávida».

In. Jornal de Angola, Suplemento Vida Cultural
Marçal-Luanda, 07 de Fevereiro de 2008
Nok Nogueira
Escritor e jornalista


terça-feira, 12 de agosto de 2008

Coisas e “cuesas” de Cabê Adão

Dez anos de mediatismo em “Aventuras de Cabetula” de Olímpio e Lindomar de Sousa


O personagem Cabetula Adão, Cabê na intimidade que felizmente consegui conquistar dele, não representa apenas a sátira que vem movendo a pena desenhista e humorista de seus autores, Olímpio e Lindomar de Sousa – exímios artistas com um percurso apreciável a todos os níveis e recheado de aventuras particularmente intensas e, além do mais, com a grata fortuna crítica e o valor acrescentado de terem bebido da própria fonte que foi o génio e velho mestre Henrique Abranches: incontornável figura do nacionalismo angolano e da cultura nacional, além, é claro, de ter sido o grande mentor e impulsionador do movimento BD em Angola –, mas sim o espelhar de situações comummente vividas dentro de um contexto e circunstâncias estonteantes das quais também somos parte integrantes, na melhor ou na pior das intenções.
A ideia de constatação se nos afigura de modo intimista, partindo do princípio de que existe um modelo mais ou menos preciso nas narrativas que cada uma das quatro edições até hoje publicadas nos apresenta, caracterizando sempre de maneira irónica mas sensata a tormenta diária de que se tornara nossas vidas, uma vez que se vem buscando uma também cada vez mais inexplicável tendência de se justificar fins que muita das vezes não olham para os meios nos momentos de os efectivar, tal qual as coisas e “cuesas” que nos trazem em cada uma dessas sempre bem-humoradas e pertinentes aventuras deste personagem que irrompeu já pelas nossas casas adentro, fazendo morada em nossos lares e partilhando dos instantes outonais e primaveris de que a memória dos factos e do tempo se nos apresenta incapaz de descrever. O que já é bom, pois uma tentativa resultaria absolutamente frustrante e não deixaria de colocar uma incómoda mancha negra no curriculum de quem se atrevesse!
Para gáudio dos que têm as manifestações artísticas – independente de que natureza se trate –, como um instante singular para melhor compreender os fenómenos que giram em torno do dia-a-dia das sociedades, a BD não deixa os seus créditos em mãos alheias, nem tampouco em mãos que a prendam em linhas estacionárias. Assim como não é estático o tempo, a Banda Desenhada também não o é, e o exemplo evidente é essa carismática figura que, apesar do silêncio quase terrorista dos nossos agentes culturais em relação a esta belíssima linguagem que é a Banda Desenhada (e porque há efectivamente um apagar da boa memória da BD em Angola, o que é um absurdo de todo tamanho) tem, com alguma “cunha” dos que o lêem e conhecem, resistido a todas intempéries que acredito nos levarão um dia a uma tomada de posição que resulte mais digna e reconfortante para quem um dia sonhou viver o país Angola através da Banda Desenhada.
O humor oriundo do esboço linguístico-expressivo de Olímpio e Lindomar de Sousa – mentores de o Olindomar Estúdio (que já é também um molde de promissores candidatos a banda-desenhistas e cartoonistas, se calhar no intuito de retribuição ao papel e a um provável legado que lhes deixou Henrique Abranches) – para além de sugerir e apelar a tomada de uma consciência colectiva na perspectiva da auto-inversão de valores, é irreverente, mediático, deslumbrante no requinte e na construção de cenários aparentemente cinematográficos, bem como no rigor e no agir sem medos, porque até ontem os artistas perdiam-se em seus próprios medos, em seus itinerantes caminhos, em busca do que se foi esfumando com o tempo em que se suscitava a fúria surrealista, esta mesma que chegou a dar lugar a um momento único e catalisador de ideias reformadoras e dinamizadoras, no sentido de se dar forma ao conceito de identidade nacional e cultural, através do espelhar de fenómenos por nós vivenciados e não partindo de um ponto de vista movido pela utópica e triste ideia de fazer de contas.
Nós rimo-nos quando lemos Cabetula Adão, mas no fundo quem se ri de nós é o próprio personagem que nos tem como uma riquíssima fonte de inspiração com todos os condimentos para uma boa cena de que é testemunha ocular a Banda Desenhada, e principalmente quando se trata de uma sociedade como é a angolana e por conseguinte a de S. Paulo de Assumpção de Loanda (terra de caenches, de muitas “pequenas”, malaikos, kubeles, kazumbis, caretas, papoites e mamoites, mbaias e telelés), apresentando uma outra faceta muita das vezes oculta em nós e que ora é trazida à luz da ribalta com um humor bem doseado e compilado quanto a enérgica genica do gindungo cahombo «na língua da criança que “esparata”», porque na verdade nós somos o espelho humano de nós mesmos, que volta e meia vai reflectindo sem dó nem piedade, muito menos com compaixão, a teia dramática de que se revelam as nossas vidas num tom palaciano mais ou menos irónico e bem electrizante, bem à moda destes novos ventos da globalização.

Marçal-Luanda, 06 de Julho de 2008

Nok Nogueira
Escritor e jornalista